O governo federal anunciou com entusiasmo a previsão de R$ 2 trilhões em investimentos em data centers nos próximos 10 anos, impulsionado pelo Plano Nacional de Data Centers (REDATA). No entanto, a realidade do setor mostra que o Brasil está longe de ser competitivo na corrida global por estruturas voltadas à inteligência artificial (IA).
O cenário atual
Atualmente, o Brasil possui cerca de 154 data centers focados em computação geral para o mercado doméstico, o que representa um setor ativo e em crescimento. Contudo, o país não conta com nenhum data center dedicado exclusivamente à IA — estruturas que exigem potência muito maior, acima dos 100 megawatts (MW). Como comparação, o data center da empresa xAI, de Elon Musk, em Memphis, já opera com 150 MW e está autorizado a chegar a 300 MW. A IA exige enorme consumo de energia e infraestrutura específica, o que ainda não existe por aqui.
Três pilares: custo, conectividade e segurança
Para atrair investimentos em data centers de IA, três fatores são decisivos: custo, conectividade e segurança. O REDATA tenta atacar o primeiro ponto, oferecendo isenções fiscais parciais para empresas estrangeiras participantes. No entanto, o custo Brasil continua alto: importar servidores, por exemplo, pode gerar até 92% de encargos sobre o valor do produto e frete, o que torna a operação inviável.
No quesito conectividade, o país se destaca com 19 cabos submarinos que ligam cidades como Fortaleza, Rio de Janeiro e Porto Alegre a outros continentes. Ainda assim, há um dilema logístico: os locais com boa conectividade nem sempre têm acesso direto a fontes de energia em grande escala, como hidrelétricas, o que limita a viabilidade de projetos robustos.
A maior barreira, porém, é a segurança. Em hubs estratégicos como o Ceará, onde chegam os cabos submarinos, há interferência de grupos criminosos que cobram taxas sobre telecomunicações — cenário que se repete em outros estados como São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Soma-se a isso a instabilidade regulatória e o discurso hostil da Anatel em relação às big techs, com propostas como o “pedágio digital” que afastam empresas internacionais.
Insegurança jurídica e o fim do Marco Civil
Outro ponto crítico foi a anulação do artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo STF, que atribuía responsabilidade legal ao autor de conteúdo e não à plataforma que o hospeda. Sem essa proteção, empresas de IA e plataformas digitais passam a correr riscos jurídicos com os conteúdos gerados por usuários ou algoritmos, o que reduz o interesse de operar no Brasil.
Reflexo no mercado global
O impacto já é visível: apesar de o Brasil ser o maior mercado do Google no hemisfério sul, a empresa optou por construir data centers no Chile e no Uruguai — países com menos população, mas mais segurança regulatória e previsibilidade.
Mesmo que alguns investimentos pontuais ocorram por aqui, sem confiança jurídica e institucional, dificilmente os grandes players instalarão operações completas e expansíveis. A consequência são centros subutilizados, paralisados após suas fases iniciais.
O Brasil precisa enfrentar com seriedade os entraves de custo, conectividade e segurança se quiser competir globalmente no setor de data centers para inteligência artificial. Sem uma correção de rota estrutural e de longo prazo, o país continuará sendo carta fora do baralho nesse mercado bilionário — e perderá a chance de se posicionar como exportador de serviços de tecnologia.