Reconhecimento facial pode vigiar 83 milhões de brasileiros, alerta relatório da Defensoria Pública da União

Um relatório divulgado pela Defensoria Pública da União (DPU) acendeu um alerta sobre os riscos do uso desregulado de tecnologias de reconhecimento facial no Brasil. O estudo identificou 376 projetos ativos em 23 estados brasileiros, com capacidade para monitorar quase 83 milhões de pessoas — o equivalente a 40% da população nacional.

Elaborado em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Candido Mendes, o documento mapeia o uso crescente dessas tecnologias e questiona a ausência de uma regulamentação clara. Estados como Amazonas, Maranhão, Paraíba e Sergipe não enviaram dados para o levantamento.

Falhas, vieses e riscos à cidadania

O relatório destaca que sistemas de reconhecimento facial ainda enfrentam sérios desafios técnicos e jurídicos, especialmente no que diz respeito à precisão e à segurança. Casos de falsos positivos têm sido recorrentes: mais da metade das abordagens policiais baseadas em reconhecimento facial, segundo os dados, resultaram de identificações equivocadas.

Estudos do National Institute of Standards and Technology (NIST) confirmam que as taxas de erro são até 100 vezes maiores para pessoas negras, indígenas e asiáticas do que para pessoas brancas, ampliando a seletividade penal e o risco de prisões indevidas.

“A implementação dessas tecnologias deve estar alinhada aos princípios do Estado Democrático de Direito”, diz o relatório, que defende transparência, fiscalização e respeito aos direitos fundamentais.

Expansão sem regulação

O uso de reconhecimento facial por órgãos públicos brasileiros teve início durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, mas se expandiu sem diretrizes claras. Atualmente, não há legislação específica que regulamente essa vigilância biométrica, o que tem gerado um ambiente que especialistas classificam como “terra sem lei digital”.

Embora o Senado tenha aprovado o PL 2338/2023, que propõe regras para inteligência artificial e tecnologias biométricas, o texto ainda é considerado insuficiente pela DPU. As exceções previstas no projeto — como uso em investigações, flagrantes e busca por desaparecidos — podem abrir brechas para abusos, segundo os defensores públicos.

Debate público é urgente

Diante do avanço silencioso da vigilância biométrica, o relatório defende a realização de um debate amplo e democrático sobre o tema. A proposta é que sociedade civil, especialistas, organismos internacionais e órgãos de controle participem ativamente da construção de políticas que limitem o uso da tecnologia e garantam os direitos individuais.