Paragon enfrenta dilema ético ao considerar contrato de spyware com governo dos EUA

A empresa israelense Paragon, conhecida por desenvolver tecnologias de vigilância digital, voltou ao centro de uma polêmica internacional. Após interromper o fornecimento de seu software à Itália por uso indevido contra jornalistas, a companhia agora precisa decidir se permitirá ou não que o Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE) utilize suas ferramentas de espionagem.

Um contrato bilionário, mas ainda parado

Em setembro de 2024, a Paragon assinou um contrato de US$ 2 milhões com o ICE, válido por um ano. No entanto, o acordo ainda não entrou em vigor. Segundo a empresa, até o momento, nenhuma ferramenta foi efetivamente fornecida ao Departamento de Investigações de Segurança Interna do ICE, e o contrato segue em análise.

Esse impasse se deve, em parte, a uma ordem executiva emitida ainda no governo Biden. A medida restringe o uso de spyware comercial por agências do governo dos EUA, especialmente se essas tecnologias tiverem sido utilizadas para abusos de direitos humanos ou vigilância de cidadãos americanos no exterior. Desde então, o Departamento de Segurança Interna suspendeu temporariamente o contrato para verificar se ele viola essa diretriz.

O contexto político pesa na decisão

Desde que Trump retornou à presidência, o ICE ganhou carta branca para realizar operações imigratórias em larga escala. Milhares de migrantes — e até cidadãos americanos — foram detidos com apoio de tecnologias fornecidas por empresas como a Palantir, especializada em inteligência governamental.

Com o aumento do orçamento do ICE após a aprovação do pacote legislativo Big Beautiful Bill, o uso de spyware pode se tornar uma arma poderosa nas ações de fiscalização. Isso pressiona ainda mais a Paragon, que agora precisa escolher entre seguir seu contrato ou manter a imagem de “fornecedora ética”.

Até agora, a empresa evitou se posicionar sobre o que fará caso o contrato seja aprovado. Questionada pelo TechCrunch, a Paragon não confirmou se seguirá adiante com a entrega das ferramentas ao governo Trump — nem se romperá o contrato, como fez com a Itália.

Reputação em jogo

Empresas que desenvolvem spyware geralmente evitam divulgar quem são seus clientes. O receio é claro: associar sua marca a regimes autoritários ou ações polêmicas pode custar caro em contratos e reputação. Quando o WhatsApp denunciou que 90 de seus usuários haviam sido espionados com ferramentas da Paragon, incluindo jornalistas e ativistas, a empresa tentou se distanciar do caso e reforçou sua política de venda apenas a “democracias responsáveis”.

O episódio com o governo italiano, em que a Paragon encerrou publicamente o fornecimento por uso abusivo, foi um movimento raro — e elogiado. Mas agora, ao lidar com um contrato que pode ser usado em políticas migratórias agressivas, a empresa se vê diante de um teste maior: manter seus princípios ou seguir interesses comerciais.

A pressão por responsabilidade

Grupos de direitos humanos estão atentos. A ONG Access Now, que monitora abusos ligados a tecnologias de vigilância, pediu que a Paragon reavalie sua posição:

“Dado o histórico de ataques deste governo a organizações de direitos humanos e da sociedade civil, esperamos que a Paragon reconsidere o acordo”, disse Michael De Dora, diretor da entidade nos EUA.

Um futuro incerto

Com o prazo final do contrato se aproximando — ele expira em 29 de setembro —, o impasse continua. A decisão da Paragon terá implicações que vão além dos negócios. Ela poderá definir como empresas de tecnologia devem se posicionar em um mundo onde a ética e os interesses governamentais nem sempre caminham juntos.