India expande sistema antirroubo para smartphones e acende alerta sobre privacidade

O governo da Índia está ampliando sua iniciativa de combate a roubos e fraudes digitais para alcançar tanto smartphones novos quanto usados. A medida reforça o controle sobre o mercado de dispositivos, mas abre um novo debate sobre vigilância e tratamento de dados pessoais.

A partir da atualização das regras, empresas que compram ou comercializam celulares usados terão que consultar um banco de dados central de números IMEI antes de concluir cada transação. Isso complementa uma diretiva recente que ordena aos fabricantes a pré-instalação do aplicativo governamental Sanchar Saathi em todos os novos smartphones, além de disponibilizá-lo em aparelhos já em circulação por meio de atualização de software.

A Reuters divulgou a mudança inicialmente, depois confirmada pelo Ministério das Telecomunicações.

Lançado em 2023, o Sanchar Saathi funciona como um portal para bloquear e rastrear celulares perdidos ou roubados. Segundo o governo, mais de 4,2 milhões de aparelhos já foram bloqueados e outros 2,6 milhões rastreados. A chegada do aplicativo dedicado, em janeiro deste ano, impulsionou o uso da plataforma, ajudando na recuperação de mais de 700 mil dispositivos.

A aceitação do app vem crescendo rapidamente. O Sanchar Saathi ultrapassou quase 15 milhões de downloads e registrou mais de 3 milhões de usuários ativos mensais em novembro, segundo dados da Sensor Tower. O tráfego na web também disparou, com aumento de 49% no número de visitantes únicos em relação ao ano anterior.

A obrigação de pré-instalar o aplicativo já provocou oposição de defensores da privacidade, entidades civis e partidos críticos ao governo. O ponto central das críticas é o risco de ampliar o monitoramento estatal sobre aparelhos pessoais, sem a garantia de salvaguardas robustas. O governo argumenta que a medida é necessária para conter crimes como clonagem de IMEI, fraudes em dispositivos usados e golpes de identidade.

Diante das críticas, o ministro das Telecomunicações, Jyotiraditya Scindia, afirmou que o Sanchar Saathi é opcional e pode ser removido pelo usuário. No entanto, a documentação analisada pelo TechCrunch exige que o app permaneça visível, acessível e com funcionalidades ativas desde a configuração inicial, o que lança dúvidas sobre sua real opcionalidade. O vice-ministro Pemmasani Chandra Sekhar disse que os principais fabricantes participaram das discussões, com exceção da Apple.

Além disso, o Ministério das Telecomunicações está testando uma API que permitirá que plataformas de recompra enviem dados de identidade e informações de dispositivos diretamente ao governo. A mudança pode pavimentar a criação de um registro nacional de smartphones.

O mercado de smartphones usados na Índia cresce rapidamente, impulsionado pelos preços mais altos dos modelos novos e pelo aumento no tempo de troca dos aparelhos. O país já é o terceiro maior mercado de usados do mundo. Ainda assim, até 85% desse setor opera de forma informal. Como a medida atual abrange apenas plataformas formais de recompra, grande parte do mercado continuará fora do alcance da nova regra.

Para justificar a pré-instalação obrigatória, o governo afirma que o app facilita denúncias de uso indevido de telecomunicações. Especialistas em privacidade alertam que o fluxo crescente de dados pode dar ao Estado um poder sem precedentes para rastrear a propriedade de dispositivos, sem clareza sobre como essas informações serão protegidas.

Prateek Waghre, do Tech Global Institute, afirmou ao TechCrunch que a iniciativa pode transformar cada aparelho em uma espécie de banco de dados, sem transparência sobre usos futuros. O governo ainda não respondeu questões sobre armazenamento, acesso ou governança desses dados.

Meghna Bal, diretora do Esya Centre, afirma que, embora a intenção de proteção seja válida, impor um app único controlado pelo governo pode sufocar inovação do setor privado. Segundo ela, sistemas desse tipo deveriam ser submetidos a auditorias independentes e contar com salvaguardas robustas de governança e transparência.

A API planejada também gera preocupação entre empresas de recompra, que podem ser responsabilizadas caso dados sensíveis sejam utilizados de forma inadequada.

Waghre ressalta outro ponto crítico: enquanto o aplicativo é visível ao usuário, a infraestrutura por trás dele opera fora do campo de visão do público. Permissões, fluxos de dados e integrações futuras podem estar escondidos em longos termos de uso raramente lidos, dificultando a compreensão real sobre o que está sendo coletado e compartilhado.

Para Waghre, tentar conter crimes digitais por meio de exigências tão abrangentes corre o risco de exagero regulatório. Na prática, afirma ele, o governo está impondo a presença do aplicativo em todo smartphone vendido, já existente ou revendido no país.

Essa expansão do Sanchar Saathi coloca a Índia diante de uma encruzilhada: equilibrar segurança digital em escala nacional sem abrir brechas para vigilância excessiva. É um debate que certamente vai influenciar políticas de tecnologia além das fronteiras indianas.