O Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) voltou atrás e reativou um contrato de US$ 2 milhões com a empresa israelense de spyware Paragon, após quase um ano de incertezas.
O acordo havia sido suspenso pelo governo Biden em 2023, que emitiu uma ordem de interrupção para avaliar se ele violava regras relacionadas ao uso de spyware comercial. Essa ordem impede agências dos EUA de utilizarem ferramentas que possam colocar em risco direitos humanos ou atingir cidadãos americanos no exterior.
No entanto, registros públicos atualizados em agosto mostram que a suspensão foi retirada, e o contrato agora está ativo. Segundo a descrição oficial, o acordo prevê uma “solução proprietária totalmente configurada, incluindo licença, hardware, garantia, manutenção e treinamento”.
A imagem “ética” da Paragon em xeque
A Paragon tenta se posicionar como uma fornecedora de spyware “ético”, diferenciando-se de empresas como NSO Group e Hacking Team, já envolvidas em escândalos de espionagem. No site oficial, a companhia afirma trabalhar com base em princípios de ética e responsabilidade.
Mas a realidade é mais complicada. Em janeiro, o WhatsApp revelou que cerca de 90 usuários, entre jornalistas e ativistas de direitos humanos, foram alvo do spyware Graphite, desenvolvido pela Paragon. Entre eles estavam o jornalista italiano Francesco Cancellato e defensores pró-imigração. Após o caso, a empresa encerrou sua relação comercial com o governo italiano, que abriu investigação sobre o episódio.
Mais tarde, o grupo de pesquisa Citizen Lab confirmou que outros dois jornalistas também foram hackeados pelo mesmo software. Ainda que um comitê do parlamento italiano tenha considerado a espionagem de ativistas legal, a polêmica desgastou a reputação da empresa.
Críticas e dilema ético
Para especialistas em segurança digital, ferramentas como o Graphite não foram pensadas para democracias. John Scott-Railton, pesquisador sênior do Citizen Lab, foi direto:
“Essas tecnologias foram criadas para ditaduras, não para sociedades baseadas em liberdade e direitos individuais.”
A ativação do contrato com o ICE reacende o dilema: a Paragon insiste em se vender como “responsável”, mas, ao mesmo tempo, fecha acordo com uma agência frequentemente criticada por abusos em deportações e vigilância.
A empresa não respondeu a pedidos de comentário sobre o caso.