Falta de regulamentação e erros graves marcam uso de reconhecimento facial no Brasil

O uso de sistemas de reconhecimento facial por autoridades brasileiras cresce rapidamente, mas ainda carece de transparência, regulamentação e controle adequado. É o que aponta o relatório “Mapeando a Vigilância Biométrica”, elaborado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU).

Falta de regras e respostas oficiais

O estudo buscou informações junto às polícias dos estados brasileiros, mas poucos responderam dentro do prazo legal. Mesmo após uma segunda solicitação, Amazonas, Maranhão, Paraíba e Sergipe não enviaram qualquer resposta, violando as normas de acesso à informação.

Segundo os pesquisadores, o reconhecimento facial se expandiu no Brasil sem parâmetros claros de eficácia ou garantias suficientes de respeito aos direitos fundamentais.

Sistema em crescimento, mas com riscos

Atualmente, existem 376 projetos de reconhecimento facial ativos no país, com capacidade de vigiar aproximadamente 83 milhões de pessoas — o equivalente a quase 40% da população brasileira. Contudo, não há evidências públicas de que esses sistemas estejam reduzindo a criminalidade ou aumentando a segurança.

Nenhum estado divulga dados sobre erros, prisões indevidas ou relatórios de impacto. Além disso, a maioria das polícias não comunica à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) quando terceiriza o processamento de imagens, como exige a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Casos de erro e discriminação

O relatório destaca exemplos de falhas graves, como o do programa Smart Sampa, em São Paulo, que instalou câmeras em estações de metrô, escolas e Unidades Básicas de Saúde. Em um dos casos, uma mulher grávida foi erroneamente identificada como criminosa e, após o estresse e medo gerados, sofreu um parto prematuro. Em outro, um idoso voluntário passou mais de 10 horas em uma delegacia até provar sua inocência.

Esses erros evidenciam o impacto desigual da tecnologia. Pesquisas indicam que sistemas de reconhecimento facial têm taxas de erro até 100 vezes maiores para pessoas não brancas. Em 2019, mais de 90% dos presos por engano eram negros.

Para os pesquisadores, o uso indiscriminado dessas tecnologias aprofunda o racismo sistêmico e transforma câmeras, que poderiam ser ferramentas de proteção, em obstáculos e fontes de opressão, especialmente para populações negras e periféricas.

Falta de fiscalização e riscos à privacidade

O estudo também revela que há confusão entre governos sobre quem deve operar e fiscalizar a tecnologia. Em 70% dos casos, a responsabilidade é delegada às secretarias de segurança, mas quase 25% envolvem empresas privadas em etapas sensíveis, aumentando o risco de vazamentos e uso indevido de dados.

Recomendações

Diante do cenário, os pesquisadores recomendam:

  • Suspender a aquisição de novos sistemas de reconhecimento facial até que exista uma lei federal específica;
  • Exigir a publicação de mapas de câmeras e contratos;
  • Realizar auditorias periódicas;
  • Padronizar procedimentos e registrar o uso da tecnologia no auto de prisão.

A proposta é que o Brasil siga o modelo europeu, que classifica o reconhecimento facial como uma tecnologia de “alto risco”, sujeita a controle judicial e limites estritos de uso.

A conclusão do estudo reforça que a legislação de acesso à informação, isoladamente, não é suficiente para garantir a transparência quando se trata de segurança pública e vigilância biométrica.