Desde os primórdios dos videogames, trapacear sempre foi uma prática comum — inicialmente como uma brincadeira entre entusiastas. No entanto, com a profissionalização dos jogos competitivos online, esse hábito evoluiu para uma indústria lucrativa, alimentada por quem está disposto a pagar para levar vantagem injusta.
Hoje, o combate à trapaça é um jogo à parte. Empresas como a Riot Games, desenvolvedora de títulos como League of Legends e Valorant, criaram equipes especializadas e sistemas altamente avançados para conter a crescente ameaça dos cheats. Um dos maiores trunfos da Riot é o Vanguard, seu sistema anti-cheat que opera no nível do kernel — o mais profundo do sistema operacional, com acesso privilegiado a tudo que acontece no computador do jogador.
Vanguard: um sistema de vigilância em tempo real
Segundo Phillip Koskinas, chefe da divisão anti-cheat da Riot, o Vanguard foi projetado para “forçar os trapaceiros a serem visíveis”. Ao integrar recursos como o Trusted Platform Module (TPM) e o Secure Boot do Windows, o software consegue identificar alterações suspeitas no sistema, drivers maliciosos e bloqueia a execução de códigos não autorizados na memória do kernel.
O resultado? A porcentagem de partidas ranqueadas com trapaças em Valorant caiu para menos de 1% em 2025, segundo a própria Riot.
Espionagem, psicologia e tecnologia de espionagem reversa
Mas o Vanguard é apenas parte da equação. A Riot também atua com infiltrações em comunidades de trapaceiros, usando identidades falsas para comprar, estudar e, posteriormente, neutralizar novas trapaças. Em alguns casos, os próprios engenheiros da Riot fingem ser desenvolvedores de cheats para ganhar credibilidade e sabotar o ciclo de vida do software.
“Deixamos a trapaça ganhar popularidade e, no momento certo, banimos todos os usuários de uma só vez”, revelou Koskinas em entrevista ao TechCrunch.
Além disso, a Riot também adota estratégias psicológicas para desmoralizar desenvolvedores e usuários de trapaças. Isso inclui expor publicamente seus métodos, ridicularizá-los em fóruns e até chamá-los de “patógenos sem cérebro” — tudo com o objetivo de manchar a reputação dos cheats “premium”, que podem custar milhares de dólares.
Trapaças cada vez mais sofisticadas — e caras
Os métodos usados por trapaceiros também evoluíram. Muitos recorrem a cheats externos, que envolvem hardware especializado, como:
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Placas PCIe com acesso direto à memória (DMA), que extraem dados do jogo em tempo real para outro PC;
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Fusores HDMI, que sobrepõem informações de radar diretamente na tela principal;
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Leitores de tela com IA, que identificam alvos visualmente e enviam comandos para um aimbot operado por Arduino.
Essas tecnologias permitem ver através das paredes, detectar jogadores escondidos e mirar com precisão sobre-humana — tudo fora do alcance dos sistemas tradicionais de detecção.
Um combate constante, mas transparente
Apesar das preocupações com privacidade e segurança — afinal, o Vanguard tem acesso total ao sistema — a Riot defende sua abordagem como necessária para manter o equilíbrio competitivo. E para justificar esse nível de acesso, a empresa tem investido em transparência: Koskinas publica regularmente no blog oficial e conversa com a imprensa sobre os bastidores do combate à trapaça.
“Se pedimos esse tipo de privilégio, temos que mostrar o que estamos fazendo com ele”, disse. “Não revelamos o que está por baixo do capô, mas contamos quase tudo o resto.”